quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Em que medida a menor competitividade interna poderá levar a perda de competitividade externa, tanto a nível de clubes como de selecção?

O título do texto de hoje é resultado de um comentário que foi colocado na nossa página do facebook. A questão é, sem dúvida, pertinente. Na altura, a resposta dada foi muito objetiva, "no limite, a falta de competitividade interna poderá condicionar, no futuro, o desempenho dos clubes nas competições europeias (UWCL) e das seleções nas fases de qualificação para as grandes competições". Esta afirmação pode, efetivamente, tornar-se uma realidade, mas só mesmo no limite e se ocorrer alguma catástrofe com o futebol feminino nacional. Pelo menos no que às seleções diz respeito. Aos clubes a realidade pode ser outra.
 
Vamos por partes começando pelas competições externas de clubes. Atualmente, para equipas femininas apenas se disputa a UEFA Women's Champions League (UWCL). Portugal esteve representado desde a primeira edições (ainda designada de Taça UEFA), no longínquo ano de 2001/2002, pelo Gatões FC. De todas as participações, em apenas uma das ocasiões se logrou passar à fase a eliminar, através do Ouriense, na época 2014/2015. 

Na época passada, o representante nacional foi o Sporting CP e, no seu ano de estreia, também não conseguiu passar à fase a eliminar. Esteve a um ponto de o conseguir mas a derrota no primeiro jogo contra a equipa BIIK-Kazygurt, do Cazaquistão não permitiu uma estreia em pleno. O Sporting sofreu o golo da derrota de uma jogada de bola parada (aliás, como sofreria outro semelhante na final da Supertaça desta época, contra o SC Braga). 

Podemos tirar várias conclusões mas a mais imediata é que nos jogos internos, excluindo os jogos com o SC Braga, o Sporting CP (o mesmo se aplica ao SC Braga) não é colocado a este tipo de exigências. As equipas poucas situações de perigo conseguem criar em jogo corrido e mais dificilmente têm jogadas de bola parada. De forma que, o que se treina (e acredito que é ensaiado vezes sem conta) não é o mesmo que encontramos em situação de jogo real. Mesmo imaginando que qualquer destas equipas pode ter acesso facilitado a jogos treino com os escalões de formação (masculina) do clube.

A falta de competitividade da atual Liga Allianz não permite ao Sporting CP nem ao SC Braga terem situações de exigência elevada para solucionar em contexto de jogo, exceto quando jogam entre si. E nestes casos, o que falhar menos e estiver mais inspirado, será o vencedor. 

A nível de seleções, realisticamente, a seleção AA feminina começou a ter um incremento na sua capacidade competitiva e a ter resultados desportivos consistentes quando as jogadoras procuraram outros países para continuarem as suas carreiras desportivas (com maior expressão a partir da época 2010/2011). As exigências competitivas de qualquer outra liga (espanhola, francesa, alemã ou  inglesa) não são comparáveis com a nossa Liga pelo que as jogadoras foram "obrigadas" a melhorar as suas capacidades físicas, técnico-táticas  e com isto efetuaram um upgrade na qualidade e capacidade nos jogos das seleções. Adicionalmente, a própria FPF, a partir da entrada da Direção atual, presidida pelo Dr. Fernando Gomes, melhorou consideravelmente as condições para o crescimento das seleções sendo exemplo disso o maior número de estágios e jogos particulares por época, não só na seleção AA mas também nas seleções jovens. É do conjunto destas duas situações que se começa a observar a evolução sustentada da seleção AA que culminou no histórico apuramento para o EURO2017.

Não sei se têm ideia mas das 25 convocadas inicialmente para essa competição, apenas 3 não representaram as seleções jovens nacionais (Amanda da Costa, Ana Leite e Suzane Pires – todas luso descentes). Além desta participação, as seleções femininas dos escalões de formação já tinham alcançado fases finais. No EURO 2012, no escalão sub 19 participaram 8 atletas (Mónica Mendes, Matilde Fidalgo, Vanessa Marques, Tatiana Pinto, Fátima Pinto, Andreia Norton, Diana Silva e Jéssica Silva). No EURO 2013, escalão sub 17, esteve presente a Diana Gomes. A espinha dorsal que constitui a atual seleção nacional de futebol feminino AA de Portugal começou a construir-se no longínquo ano de 2003 quando as atuais internacionais começaram a integrar a seleção sub 19, por onde todas passaram (excluindo as 3 referidas anteriormente). Dez anos mais tarde (2013), começa a atividade da seleção sub 17 e sub 16. Já no corrente mês deu-se o pontapé de saída da seleção sub 15.

Das atletas que integravam a convocatória inicial somente 5 prosseguem a sua carreira além fronteiras e continuam a ser "expostas" a campeonatos competitivos e de exigência elevada: Cláudia Neto (Alemanha), Carolina Mendes e Mónica Mendes (Itália), Raquel Infante (França) e Jéssica Silva (Espanha). Outras regressaram a Portugal, invariavelmente para o Sporting CP (Tatiana Pinto, Fátima Pinto, Ana Borges, Patrícia Morais, Carole Costa e Ana Leite) ou para o SC Braga (Dolores Silva, Laura Luís e Andreia Norton).

O futuro da nossa seleção AA está assegurado. O número de jogadoras cresce ano após ano, cada vez mais equipas apostam na formação desde escalões mais baixos permitindo aumentar a margem de recrutamento das jogadoras com mais qualidade e capacidade para as seleções mais jovens. Mas a questão da pouca competitividade da Liga Allianz também se coloca nas competições de sub 17 e sub 19. Será, então, que está assegurado o nível da competitividade que agora observamos e que tão bons resultados têm alcançado? Teremos que aguardar para obter a resposta a esta questão.

Uma coisa é certa, os grandes clubes não vão conseguir absorver todas as jogadoras de qualidade que estão a aparecer pelo que se poderá antecipar uma melhoria da competitividade na Liga Allianz, com a incursão de algumas destas jogadoras em outras equipas que evoluem na referida competição. 

Mas isto faz-me lembrar uma pescadinha de rabo na boca. As jogadoras vão começar (e bem) a exigir mais e melhores condições. As equipas, excluindo o Sporting CP e o SC Braga, podem não dispor da capacidade para proporcionar essas condições... que vão fazer? Deixam de jogar? Provavelmente irão tentar a sua sorte além fronteiras e voltaremos ao início... continuará a Liga a ser decidida a dois. Ou a três, à distância de 2 épocas, com o anúncio da entrada do SL Benfica já na próxima época no Campeonato de Promoção. Creio que uma das próxima estratégia para aumentar o sucesso e competitividade da Liga Allianz terá que passar, forçosamente, por dotar os clubes com mais e melhores condições de forma a que possam acomodar os pedidos das jogadoras e, desta forma, evitar a sua ida para o estrangeiro. É fácil de concretizar? Naturalmente que não, senão já estaria em prática! Mas, não se pode esperar que seja a FPF a resolver todos os problemas. Cabe aos clubes também apresentarem propostas e sugestões em sede própria.

Um exercício rápido para finalizar: quando começou a seleção AA masculina a conseguir obter resultados de elevado nível e classificações honrosas que terminou, para já, com a conquista do EURO2016? (nota: do EURO1996, apenas falhou a qualificação para o Mundial 1998, disputado em França. De então para cá marcou presença em todas as fases finais de Campeonatos da Europa e do Mundo). 

Perceberam onde quero chegar? Isso mesmo, quando os nossos melhores jogadores (a geração de ouro e as que lhes seguiram) começaram a ser contratados para clubes que disputam campeonatos bem mais competitivos que a Liga NOS, com outras exigências e múltiplas competições.

Que o futebol feminino nacional possa continuar a sua curva ascendente.
Continuação de Boas Festas!