segunda-feira, 27 de agosto de 2018

O futuro é já amanhã!


O momento que o futebol feminino atravessa em Portugal pode dizer-se que é de prosperidade e com futuro bastante auspicioso.

O aumento do número de jogadoras inscritas na Federação Portuguesa de Futebol (FPF), ano após ano, demonstra que o futebol começa a ser encarado como uma opção válida para as miúdas e raparigas de praticar, de forma organizada e orientada, o seu desporto de eleição (felizmente, cada vez em idades mais precoces). O chavão que o futebol não tem género é cada vez mais atual.

A final da Festa do Futebol Feminino, realizada a 26/05/2018, no Estádio Nacional, com mais de 900 miúdas e raparigas, bem como as ações do mesmo evento organizado pela FPF em Braga, Bragança e Porto (entre outras), a adesão foi um bom indicador do que podemos esperar para os próximos anos. Não posso deixar de dizer que fiquei maravilhada com a entrevista a uma jogadora que esteve no evento de Braga que à questão “quando os meninos não te passam a bola, o que fazes?” dá uma resposta deliciosa “tiro-lhes a bola”. São estas miúdas e raparigas que agora começam que vão ser as nossas craques daqui a uns anos. Assim tenham oportunidade para tal.

O apuramento histórico para o EURO 2017, o primeiro no escalão sénior, permitiu um enorme impulso na perspetiva de incrementar cada vez mais o número de praticantes. Não obstante o apuramento reconheço que ainda levamos uns anos de atraso face a outras realidades europeias mas estamos rapidamente a encurtar caminho. A criação da Liga Allianz, com a entrada do Sporting CP e do SC Braga (sem esquecer o Estoril Praia e o Belenenses) enquanto clubes que evoluem na Liga NOS (e que tendencialmente podem proporcionar condições não ao alcance de outros que há décadas desfiam as dificuldades em manter uma equipa de futebol feminino) abriu novos horizontes para todas as jogadoras assim como aquando do anúncio da criação de equipa no SL Benfica, a partir da próxima época.

Dizia acima, “assim tenham oportunidade para tal” será o grande desafio. Não só dos clubes mas especialmente das jogadoras. Os clubes porque têm que tentar todos os meios para gradualmente proporcionar mais e melhores condições para que as jogadoras possam evoluir de forma sustentada. Mas, se porventura os clubes conseguirem essas condições a responsabilidade de saber tirar partido dessas mesmas condições será exclusivamente das jogadoras.

É verdade que em Portugal há jogadoras profissionais mas é ainda mais verdade que grande maioria não o é. E, duvido, que num curto espaço de tempo este cenário se inverta. Não porque as jogadoras não o desejem mas os clubes da Liga Allianz (já nem me atrevo a falar das restantes competições seniores) dispõe de orçamentos muito limitados e não terão capacidade para acomodar a rubrica “remunerações”. A realidade é assustadoramente oposta entre clubes como o Sporting CP e o SC Braga (antecipo que seja semelhante no SL Benfica) e os restantes clubes, a todos os níveis.

Obviamente, nem todas chegarão a profissionais mas o comprometimento com a modalidade não pode depender somente de uma eventual conjunto de compensações pelo esforço e dedicação. É que não adianta "exigir" mais condições aos clubes, nem dizer que é preciso mais treinos (ou outro tipo de apoio, e orientação) se as jogadoras não derem o seu máximo e se empenharem seriamente.

E não me atirem já pedras nem me ofendam porque sei bem que quem trabalha/estuda das 8h às 18h muitas vezes não tem vontade sequer para ir treinar quanto mais empenhar-se a fundo. E quem trabalha por turnos, com os ritmos biológicos todos alterados? Ou que tem que trabalhar na véspera de um jogo (ou até mesmo na manhã do dia do jogo), não tendo o descanso necessário para estar nas melhores condições no dia seguinte? Ou que tem que viajar mais de 400 km no dia do jogo, com hora de início para as 15h? Sim, todos estes cenários são a realidade da quase totalidade dos clubes que competem na Liga Allianz mas algumas variáveis dependem unicamente das jogadoras: o empenho, orgulho e muita paixão pelo futebol. O caminho rumo ao sucesso ficará invariavelmente mais curto. Ninguém diz que é um caminho fácil, longe disso. Há que abdicar de um conjunto de coisas próprias da idade durante o crescimento para se chegar ao topo. Mas quem define um objetivo e luta por ele terá a recompensa no final. Até porque um outro fenómeno pode emergir de forma galopante: a contratação de jogadoras estrangeiras para dar resposta imediata aos objectivos delineados pelos clubes (esta reflexão fica para nova oportunidade).

As seleções nacionais estão em franca ascensão mas esse caminho só continuará com a cooperação dos clubes e de como estes conseguirem cativar as suas jogadoras a manter o seu compromisso diário, sejam elas amadoras ou profissionais (provavelmente estas terão responsabilidade acrescida pois são o exemplo para as que um dia aspiram lá chegar).

O futuro do futebol feminino nacional é já amanhã, o sucesso vai depender da vontade e determinação das jogadoras em ultrapassar obstáculos mas só será escrito de acordo com a capacidade de sacrifico e superação desta nova geração.

Ou o futebol (como qualquer outro desporto, colectivo ou individual), não dependesse dos seus atores principais: os atletas.

(nota final: na próxima época a Liga feminina será designada de Liga BPI)

Texto publicado originalmente no sítio do Sindicato dos Jogadores.

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Raparigas versus rapazes


 
 
O que acontece quando, a um lote de raparigas que querem jogar futebol e não têm competição própria, se juntam treinadores e dirigentes ousados e interessados em fazer com que essas jogadoras cresçam? Aguardam que chegue a idade própria para competirem entre pares, sujeitando-se a que, entretanto, algumas delas desistam do futebol e se virem para outro desporto?
Já foi assim, infelizmente.
Agora, aproveitando a onda de vitalidade que o futebol feminino tem, os clubes inscrevem essas equipas nas competições onde habitualmente só há equipas de rapazes.
Do que nos foi dado apurar, são cerca de uma dezena e evoluem um pouco por todo o país, distribuídas por sete associações.
Competindo no escalão sub/13, consoante as regras que as associações estabelecem para ajudar a encaixar na competição, as raparigas têm entre 13 e 15 anos. Fantástica esta abertura e elasticidade por parte dos órgãos associativos, demonstrando uma grande vontade em promover e fazer crescer o futebol feminino. Poderia dizer-se, somente, que é a sua obrigação, mas reconhecer o que está bem feito, para além de ser uma questão de justiça, é uma forma de cumprimentar quem se esforça por fazer com que as coisas funcionem. E, na verdade, todos nós gostamos de ser reconhecidos – é saudável esse sentimento.
Mea culpa, mas o primeiro contacto que tive com jogadoras deste escalão, e tipo de competição, foi no Torneio de Albergaria em Junho passado. E logo tive a sensação de que tinha andado a perder uma coisa fabulosa. Para quem, como eu, começou a jogar com 17 anos, apesar de jogar na rua com amigos desde a escola primária, ver a forma como estas miúdas evoluem em conjunto é fascinante.
Não se trata só da sua qualidade individual, que sim muitas têm-na em abundância, mas da forma como já se comportam tacticamente. E a isso não é alheia a qualidade de quem as orienta: tanto ao nível dos conteúdos de jogo, mas também, e talvez mais importante ainda, a forma como se relacionam com essas raparigas em formação. Como as chamam a atenção de forma quase privada, em contraponto com gritos desmedidos para dentro de campo, como explicam o que é para se fazer por ideias simples e de fácil entendimento, em contraponto com os clichés do futebol que só servem para os treinadores se exibirem, como exercem a sua autoridade com firmeza, mas sem hostilidade.
Todas estas qualidades são extremamente importantes num treinador/a de equipas de raparigas/mulheres, mas quando elas estão em idade de formação tornam-se fundamentais. É também chegada a hora dos dirigentes terem estas coisas em atenção quando contratam treinadores ou treinadoras para as suas equipas femininas. Vale a pena o esforço, porque os resultados serão visíveis no crescimento das jogadoras e da equipa.
Voltando ao assunto inicial, vale muito a pena seguir o trajecto de algumas destas miúdas que competem neste escalão. A dureza de jogar contra equipas masculinas dá-lhes uma maior capacidade de abordagem aos lances, e a todo o jogo em geral, e acredito que este será um caminho a ser seguido por mais clubes.
Até porque, a médio prazo, se estas jogadoras vierem a celebrar contratos profissionais, darão o devido retorno ao investimento que os clubes fizeram nelas.
 
[texto originalmente publicado no site do SJPF]