quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Raparigas versus rapazes


 
 
O que acontece quando, a um lote de raparigas que querem jogar futebol e não têm competição própria, se juntam treinadores e dirigentes ousados e interessados em fazer com que essas jogadoras cresçam? Aguardam que chegue a idade própria para competirem entre pares, sujeitando-se a que, entretanto, algumas delas desistam do futebol e se virem para outro desporto?
Já foi assim, infelizmente.
Agora, aproveitando a onda de vitalidade que o futebol feminino tem, os clubes inscrevem essas equipas nas competições onde habitualmente só há equipas de rapazes.
Do que nos foi dado apurar, são cerca de uma dezena e evoluem um pouco por todo o país, distribuídas por sete associações.
Competindo no escalão sub/13, consoante as regras que as associações estabelecem para ajudar a encaixar na competição, as raparigas têm entre 13 e 15 anos. Fantástica esta abertura e elasticidade por parte dos órgãos associativos, demonstrando uma grande vontade em promover e fazer crescer o futebol feminino. Poderia dizer-se, somente, que é a sua obrigação, mas reconhecer o que está bem feito, para além de ser uma questão de justiça, é uma forma de cumprimentar quem se esforça por fazer com que as coisas funcionem. E, na verdade, todos nós gostamos de ser reconhecidos – é saudável esse sentimento.
Mea culpa, mas o primeiro contacto que tive com jogadoras deste escalão, e tipo de competição, foi no Torneio de Albergaria em Junho passado. E logo tive a sensação de que tinha andado a perder uma coisa fabulosa. Para quem, como eu, começou a jogar com 17 anos, apesar de jogar na rua com amigos desde a escola primária, ver a forma como estas miúdas evoluem em conjunto é fascinante.
Não se trata só da sua qualidade individual, que sim muitas têm-na em abundância, mas da forma como já se comportam tacticamente. E a isso não é alheia a qualidade de quem as orienta: tanto ao nível dos conteúdos de jogo, mas também, e talvez mais importante ainda, a forma como se relacionam com essas raparigas em formação. Como as chamam a atenção de forma quase privada, em contraponto com gritos desmedidos para dentro de campo, como explicam o que é para se fazer por ideias simples e de fácil entendimento, em contraponto com os clichés do futebol que só servem para os treinadores se exibirem, como exercem a sua autoridade com firmeza, mas sem hostilidade.
Todas estas qualidades são extremamente importantes num treinador/a de equipas de raparigas/mulheres, mas quando elas estão em idade de formação tornam-se fundamentais. É também chegada a hora dos dirigentes terem estas coisas em atenção quando contratam treinadores ou treinadoras para as suas equipas femininas. Vale a pena o esforço, porque os resultados serão visíveis no crescimento das jogadoras e da equipa.
Voltando ao assunto inicial, vale muito a pena seguir o trajecto de algumas destas miúdas que competem neste escalão. A dureza de jogar contra equipas masculinas dá-lhes uma maior capacidade de abordagem aos lances, e a todo o jogo em geral, e acredito que este será um caminho a ser seguido por mais clubes.
Até porque, a médio prazo, se estas jogadoras vierem a celebrar contratos profissionais, darão o devido retorno ao investimento que os clubes fizeram nelas.
 
[texto originalmente publicado no site do SJPF]